Universo numa casca de jaca


 Aquela manhã foi diferente de todas as manhãs que despertaram as nossas vizinhas jaqueiras, em todos esses anos. E em todos esses anos que podemos admirá-las através da janela sempre vinha à mente as palavras instigantes, intrigantes e impactantes de Stephen Hawking ao citar Shakespeare (Hamlet, ato 2, cena 2):

Eu poderia viver recluso numa casca de noz e me considerar rei do espaço infinito...”.

 Mas aquela manhã foi realmente diferente, surgiu outro sol e agora eram dois sóis brilhando sobre as jaqueiras. Parecia que o novo sol brilhava mais que o antigo, mas os dois estavam brilhando. Era como se tivéssemos um sol para cada jaqueira. E isso era só o começo do dia e eu não havia bebido nada alcoólico.

Sentindo-se como aquele príncipe da Dinamarca e olhando para as jacas dependuradas nos galhos, somente vinha à mente o mestre Hawking. Dois sóis e muitas jacas, mas nada de nozes para saborear o momento. Quem não tem noz come jaca com a mesma satisfação:

Eu poderia viver recluso numa casca de jaca e me considerar rei dessa bagaça toda...”.

Como não tinham nozes para uma melhor comparação, o negócio foi buscar as lembranças, mas não lembrava muito bem a última vez que havia comido nozes. Além de caras é necessário quebrar a casca, se bem que no caso da jaca ninguém come a casca, ou come? Não importa o conteúdo, importa a casca que protege cada uma das frutas. Alguém um dia me disse que noz não era uma fruta, mas isso não importa.

Olhando para as jacas notei que havia me esquecido dos dois sóis que brilhavam naquela manhã. No dia anterior, pelo que me lembro, havia apenas um (aquele velho conhecido) e olha que no dia anterior andei tomando umas cachaças. Agora, do nada, surgiu outro sol e ainda por cima brilha mais que o velho astro de ontem. O que teria acontecido? Busquei respostas nos livros do Stephen Hawking e algo me chamou atenção: “Supernova”.

Para tentar entender o ocorrido seria melhor esquecer a contemplação das jacas e ligar a televisão ou buscar respostas na internet. E como sempre, nesse mundo polarizado, duas correntes debatiam o fenômeno:

- É o fim dos tempos! Apocalípse Now! Olha os anjos com suas trombetas no topo desse novo sol. Oh!!!

- Betelgeuse explodiu! Que espetáculo!

Como sempre acontece, fiquei mais confuso que esclarecido. Seria essa tal de Betelgeuse uma deusa que toca trombeta dentro de um novo sol? Diziam que essa deusa havia crescido na terra e quando criança gostava muito de música e queria tocar saxofone, mas os pais militares somente permitiram que tocasse trombeta. Seja lá qual for a verdade, o fato que ninguém conseguia esclarecer o advento desse novo sol. Os mais exaltados e religiosos diziam que Betelgeuse veio para separar o trigo do joio e tocar a trombeta do juízo semifinal, pois o final seria no maracanã. Ou seja, a confusão era maior que o novo sol.

Tinham aqueles notáveis cidadãos que somente leem uma manchete e já entendem todo o conteúdo e diziam que esse negócio de explosão de uma estrela era coisa do governo para iludir o povo e passar a boiada nas regulamentações espúrias. Os cientistas diziam que a estrela virou uma supernova e que isso havia ocorrido a mais de 500 anos atrás. Pirei de vez e desliguei todo e qualquer aparelho que trouxesse informação. Fui para a janela contemplar as jaqueiras e cada um dos sóis que as banhavam elegantemente. Ali prostrado, perguntei:

- Algo aconteceu mais ou menos quando Cabral chegou à Bahia pela primeira vez e só agora tivemos conhecimento?

Um passarinho cantante que estava na jaqueira do lado esquerdo me confidenciou:

- A culpa é do Cabral.


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