A dor quântica

     Pode ser que a dor seja um daqueles raros eventos que certamente o atingirão em algum momento da vida. Pode ser uma unha encravada, uma cólica intestinal (credo!) ou ainda uma dor de cotovelo desencadeada por postagens nas redes sociais.


    Mas aquele senhor (não posso revelar o nome) sofria de dores misteriosas, que apareciam e sumiam sem motivação alguma. Saltavam de partes externas de seu corpo para as mais íntimas, de forma inexplicável. Reinava a incerteza, apesar da certeza da dor.

    Foi ao médico 93 vezes e fez 186 exames para que cada médico pudesse arriscar um diagnóstico e nada. Foi ao curandeiro de plantão, cultos, missas e nada. Foi até no Google e nada. Era uma dor que desafiava os conhecimentos técnicos e metafísicos.

    Um dia acordou abruptamente com uma dolorosa cãibra na barriga da perna direita (a boa no futebol). Estica daqui, puxa dali, massageia acolá e nada. Não conseguia pensar em nada, somente na dor, mas assim sem motivo a dor passou. Ele viveu momentos de êxtase, vislumbrou o paraíso da felicidade e pensou até em voltar a dormir. Mas, inexplicavelmente, a dor se instalou em outra barriga (a real) e numa velocidade impressionante se viu instalado no trono (o sanitário). Aperta daqui, massageia, senta, levanta e nada. A dor havia saltado da barriga da perna para o intestino, mas como na vida tudo é transitório, conseguiu executar sua obra e voltou a ser feliz novamente.

    Dizem que ao olhar carinhosamente para sua obra, exclamou:

    - Que obra! Não sei se dou a descarga ou pego para criar!

    Sábias palavras, mesmo sendo sua obra uma merda! Mas isso não é relevante e como tudo na vida é transitório, a fugaz alegria também refreou. A dor saltou novamente atingindo seus escassos fios de cabelo.

    - Mas como? Dor nos raros fios de cabelo é demais.

    E dor foi se intensificando, passando de um fio para outro. Sua sorte foi não ter tantos fios na cabeça. Elogiou a genética herdada, lembrando do bom e velho pai careca. Genética generosa! Mas dor prevaleceu e praguejou a genética herdada. Que dia! Pensou em cortar os poucos fios de cabelo que ainda mantinha, mas resistiu. E resistiu tanto que a dor passou e novamente sentiu momentos de glória. Por fim decretou:

    - Isso não pode ficar assim.

    A consulta de número 94 seria definitiva e lá foi o nosso bom amigo, com suas dores para cortar o mal de uma vez por todas. No meio do caminho sentiu uma pontada no joelho esquerdo, nariz entupido, coceira no olho entre tantos outros eventos. A dor saltava de um ponto para outro, inexplicavelmente. Já nem ligava mais e só pensava na solução 94. Seria feliz por tempo indeterminado.

    Chegou ao consultório quase no horário marcado, mas teve que esperar na salinha, pois o médico entendia que o tempo é relativo (assim com Einstein). A hora marcada da consulta estava submetida a relatividade, então a única alternativa seria esperar. E esperou, esperou e esperou, pois estava confiante na solução definitiva. Enquanto esperava, o mesmo não acontecia com suas dores móveis, pois elas não esperavam e pouco ou nada se importavam com a relatividade. Ainda bem que não atacaram o bom e velho intestino.

    O médico chama. Rápidos sentimentos de alívio e ansiedade, talvez provocados pelas leis obscuras da relatividade. Foram 49 minutos de consulta e o médico decretou o diagnóstico:

    - Dor quântica.

    Vixe! Pensou naquelas doenças raras que só atingem ricos e famosos. Por um momento sentiu-se especial e questionou o médico:

    - É raro, doutor?

    - É mais comum que você imagina. Respondeu o médico com uma gargalhada fatal e completou:

    - Só não pense mais nessas dores que elas desaparecerão.

    Pronto, daí em diante sua mente tornou-se um supermassivo buraco negro e nem a luz provocaria dores em seus olhos.


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