Grande Tabuleiro da Vida

           

Pode ser que a vida seja um grande tabuleiro, algo como aqueles jogos que apreciamos na infância. Cada jogador tinha um bonequinho e o jogo trazia um dado com pontinhos pintados que indicavam os números (de 1 a 6). No centro ficava um tabuleiro gigante com muitas casas que deveriam ser percorridas até o triunfo definitivo.

Quem não se lembra desse jogo? Quem já não teve essa experiência lúdica e competitiva? Pois é, aquele grande tabuleiro continha muitas casas, muitos atalhos e muitos obstáculos. Jogava-se o dado e ficava torcendo para que indicasse uma numeração privilegiada. Quando o outro competidor jogava o dado, você torcia para que ele se ferrasse. Lúdico e cruel para os padrões morais, sociais e cristãos. Mas era assim.

O jogo começava do zero para todos, mas alguns percorriam as casinhas de forma mais suave que outros. Alguns patinavam tanto que quando conseguiam avançar, acabavam caindo nas armadilhas do destino, representado pelos obstáculos do jogo. Outros, com muita sorte, caiam em atalhos que os impulsionavam para a frente generosa. Lúdico, sacana e injusto para alguns.

Parecia irônico ver que todos os jogadores sabiam o que lhes esperava no final do jogo. Mas apenas um chegaria na frente dos demais. Claro que os outros poderiam usufruir de alguma vantagem, menos os últimos. Esses estavam irremediavelmente perdidos. Era um jogo inconsistente, pois dependia da sorte, que nem sempre beneficia. Ou talvez, muito mais consistente que possamos imaginar. Pode ser que a sorte seja mais que um puro acaso. Quem sabe?

Travava-se uma verdadeira batalha para avançar as casas, não cair em obstáculos e se possível, conseguir aquele atalho generoso que te empurrava rumo ao sucesso. Era um jogo lúdico, estratégico e chato.

No final da batalha, o vencedor sentia-se grande o suficiente para esnobar sua condição de vitorioso. Os demais sentiam-se fragilizados pela derrota acachapante ou demonstravam aquela inveja do vencedor. Mas era só um jogo lúdico, irônico, inconsistente e insultante.

E a vida? Seria um grande tabuleiro? O sucesso está reservado para alguns? Quantas vezes nos sentimos fora das casinhas?

Pode ser que a vida seja um grande tabuleiro e nós estamos dentro desse tabuleiro como bonequinhos. Um grande dado com números em cada face é lançado pelo senhor destino e irá determinar o quanto você pode avançar ou retroceder.

Mas é também irônico saber que nem todos os jogadores dessa vida começam iguais, ou seja, do zero quase absoluto. Alguns já estão muito mais avançados mesmo antes de nascer. Alguns são privilegiados. A sorte sorriu mais para eles. Irônico e cruel.

Quando o senhor destino lança o dado, você torce para que venha um número generoso que lhe permita ir o mais longe dos obstáculos. Quando o dado aponta a realidade do número sorteado, você entende que terá que esperar uma nova chance. E de chance em chance, você avança e retrocede. Você pega algum atalho que te joga na armadilha. Os avanços te alegram e os obstáculos te deprimem. É o jogo nesse tabuleiro da vida.

Você nota que outros avançam sem parar, sem cair em armadilhas, sem esforço e sem piedade. Fica chateado consigo e com inveja dos outros. Nota que seu progresso é tímido quando comparado ao sucesso que os outros obtém. Mas fica sempre a esperança. Quem sabe o jogo não vira? Quem sabe a sorte não sorri? Quem sabe?

E é também inconsistente esse tabuleiro da vida, pois nem um dos jogadores sabe o que lhe espera lá na frente. O final do jogo poderá ser igual para todos. E chega a ser um insulto para a existência ter que depender do acaso para chegar ao final comum. Pode ser que o insulto esteja no final comum e não no acaso.

Dizia um velho filósofo popular: “o jogo é jogado e o lambari é pescado”. Se o senhor destino é quem joga o dado, você não tem domínio sobre o jogo. O jogo não é jogado. Se você sair para pescar sem o seu material de pesca, o lambari não será pescado. Se bem que o acaso poderá lhe trazer um belo peixe. Quem sabe?

No meio de tantas dúvidas e escrevendo com certa dose de pessimismo, esse tabuleiro irônico, inconsistente e insultante poderá levar o vencedor para o mesmo lugar que o perdedor. E aí sim, começaria tudo do zero. Quem sabe?

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