“Desgustável”

 Em um sábado tedioso, recebeu uma mensagem de alguns amigos. Era um convite para um novo restaurante, localizado em um bairro longe o bastante para inventar uma desculpa, mas perto o suficiente de uma estação de metrô para vencer a inércia do sofá. Resolveu pesquisar o restaurante antes de tomar qualquer decisão e alguns reviews chamaram sua atenção:

  • Uma verdadeira experiência – 5 estrelas
  • De dar água na boca e comer com os olhos – 4 estrelas
  • Comida impecável, muito bonita – 4.5 estrelas

“Comida bonita?” pensou. “Algo curioso para se analisar, mas faz sentido...”. Antes que seus devaneios sobre análises de estranhos na internet tomassem conta, levantou e foi se vestir.


O trajeto até o restaurante foi desinteressante. Saiu do trem, subiu uma quantidade incalculável de escadas rolantes (cinco, na verdade) e encontrou seus amigos na catraca. Amigos esses que não valem de nada para essa crônica, e servem apenas como pretexto para levar nosso personagem do ponto A ao B com algum propósito.

Chegando ao restaurante, notou o estranho silêncio pairando sob as mesas e suas altas divisórias, as quais impediam olhares curiosos sobre os pratos pedidos pelos vizinhos. Os garçons eram cordiais e o ambiente, de forma geral, agradável. Dada a diversidade de restaurantes em São Paulo, esse ganhava uma mísera nota três no quesito “estranheza”. Em uma mesa distante, começa um coro de “parabéns para você”, que rapidamente é silenciado.

Por sugestão de seus camaradas, pediu o peixe e um suco de abacaxi com hortelã, seu favorito. O garçom traz os talheres: garfo, faca, colher, pregador, tampões de ouvido e venda. A estranheza acaba de subir uns cinco pontos.

Vem o prato, um belíssimo salmão com alcaparras, molho de laranja, amêndoas e um manual de instruções. Parecia delicioso e com uma quantidade de parágrafos razoável. “Para máximo proveito de sua experiência, por favor, siga o manual à risca. Primeiro, coloque os tampões e a venda e inspire profundamente seu prato. Sinta o cheiro invadir suas narinas, em uma explosão olfativa.”. Levemente contrariado, medianamente curioso e profundamente faminto, obedeceu. Deu uma fungada digna de uma pessoa com rinite no dia mais seco do ano. O cheiro era maravilhoso.

Em seguida, o pregador. Tirou a venda e prendeu seu nariz. Dirigiu seu olhar para o prato, vidrado como um adolescente na tela do celular. Observou as cores, as formas e o vapor que a comida emanava. A cada segundo, salivava mais e mais, digno de um experimento “pavloviano”. Depois, a audição. Tirou os tampões e recolocou a venda. Tinha som de salmão com alcaparras. Um acorde deveras difícil de escrever na partitura.

Não via a hora de comer. Imaginou que comeria com as mãos, dando cabo dos dois sentidos restantes, tato e paladar, de uma vez só. Antes que pudesse fazer qualquer movimento, o garçom retirou seu prato e serviu o suco de abacaxi. Atônito, não teve forças para chamá-lo de volta. Os amigos agiam como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Quando voltou a si, reclamou de forma bem elegante:

- “Mas que p* foi essa?!”

Tentaram explicar que se tratava de um conceito diferente, explorando a relação com o alimento por meio de outros sentidos. A ideia poderia até ser boa, mas o ronco de sua barriga discordava veementemente.

Vendo que não havia saída, pagou a conta e pensou em deixar um review sincero, algo como “não deu nem para o gosto – 1 estrela”. No dia seguinte, alugou um carrinho de cachorro quente e ficou estrategicamente posicionado em frente ao restaurante. Ficou rico.

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