A crise dos 20

     Nada me incomoda mais do que ouvir o canto dos pássaros das jaqueiras em frente a minha janela de madrugada. Pode ser que o canto dos pássaros seja um espetáculo da natureza que simboliza o começo de mais um dia. Para mim, simboliza o fim de mais uma noite mal dormida.


A melodia dos bem-te-vis e sabiás laranjeiras faz-me lembrar das minhas promessas não cumpridas: “Hoje eu dormirei mais cedo” eu me prometi, mas depois de horas revirando na cama e ouvindo a mesma playlist, que intitulei “A Crise dos 20”, escuto o primeiro pássaro cantando lá fora - “Acho que a promessa vai ficar para amanhã, ou melhor, dizendo, hoje”.

Outro dia encontrei um passarinho na calçada ao lado de uma das jaqueiras. Era um filhote que ainda não tinha aprendido a voar e, mesmo assim, foi tirado do ninho, abandonado à própria sorte. Ele deixou que eu o abrigasse em minhas mãos e, por um breve instante, eu senti que ele me entendia.

Eu mal aprendi a voar livremente pelo céu e entre as nuvens, mas já sinto vontade de fazer minha revoada. Voar não é bem como eu esperava que fosse. Será que os pássaros também sentem saudades do conforto do seu ninho ou da sua casca? Será que eles conseguem enxergar beleza em sua nova fase? Ou eles só se conformaram com seu destino inexorável?

Acredito que sim, porque eles continuam voando.

E eles continuam cantando. Todo amanhecer e anoitecer pontualmente e essa é a única certeza que eu tenho. Após escrever este texto, pausei minha playlist, tirei meu fone de ouvido e pensei: “Pode ser que hoje eu durma antes dos pássaros acordarem, mas se não for o caso, vou ao menos escutá-los cantar ao invés de aumentar o volume da minha música”.

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