Teve uma época em que a polaridade tomou conta daquele país. Talvez tenha tomado conta do mundo inteiro, dada a divisão que se manifestava. Ou você era a favor ou contra, não tinha meio termo para nada. Ou é ou não é. Quente ou frio, fogo ou água, céu ou inferno, triste ou alegre entre tantos outros polos possíveis.
Mas a coisa estava beirando a insanidade com os dois grupos chegando a hostilidades, agressões e o pior: manifestações políticas. Direita ou esquerda. Ou é ou não é, dizia um entusiasta cidadão de direita:
-
Sou contra quem é a favor.
Dizem
que toda regra tem exceção, mas para a polaridade extremada ainda não havia
sido encontrada. A exceção para um grupo era a regra para o outro. E assim foi
até o surgimento do profeta flexível da república, também conhecido como PFR, mas
muito pouco conhecido por seu nome de batismo: Salomão.
Ele
propunha que os dois grupos estabelecessem regras para uma convivência
pacífica. Mas um dos grupos achava que convivência pacífica é coisa de
esquerdista. Não tinha acordo.
Religiões
estavam tomadas pela polaridade e se alinhavam com um dos lados. Milícias
religiosas nasciam e morriam nesse contexto ilógico. Era a famosa guerra fria.
Se bem que para outros era a guerra quente. Nem as palavras eram bem recebidas.
Ou é ou não é.
O
profeta flexível da república buscou argumentos em livros, filmes e músicas
para convencer os dois lados a se entenderem. Mas nada trazia conforto, até que
a lembrança dos sete pecados capitais veio-lhe à mente:
-
Será que eles concordam com os pecados capitais? Parecia um caminho promissor.
Uma
pesquisa havia indicado que os dois grupos manifestavam simpatia por alguns
pecados, relevavam outros e não abriam mão de alguns.
A
soberba era uma característica marcante da esquerda que sempre se achava dona
da razão. Mas os direitistas reivindicavam esse soberbo pecado para si, pois,
eram donos das verdades absolutas, especialmente aquelas emanadas pelo divino.
A
ira era muito associada ao grupo extremista de direita, mas também era
reivindicada pela extremista esquerda. Os dois extremos se pareciam mais que
gêmeos. Dividir a ira é parecido com cortar a cabeça da venenosa “Hidra de
Lerna”. Cortava-se uma e nasciam duas em seu lugar.
Pode
ser que a ira seja autossustentável. Sinceramente eu preferiria que os dois
grupos fossem brincar com a “Medusa”. Quem sabe não seriam transformados em
pedra. Pedras polarizadas.
Como
a inveja era o ponto mais evidente da potencial semelhança entre os grupos
opostos, os dois tinham uma especial consideração por esse abrangente pecado.
Melhor repartir que remediar e isso era salutar.
No
caso da luxúria a coisa ficava meio dúbia, pois nenhum grupo queria uma relação
íntima, apesar de ostentarem suas convicções e aparências. Era um pecado
perigoso de se manifestar em público.
E
a gula? Como era tratada pelos opostos? Era muito parecido com a luxúria, pois,
os dois lados eram extremamente insaciáveis, mas não admitiam isso em público.
Tinha cara de guloso, jeito de guloso, olhar de guloso, caminhar de guloso e
realmente eram gulosos.
A
avareza era mais notada do lado direito do que do lado esquerdo, mas permeava
os dois sem muita distinção. Um pecado menor segundo os dois lados.
Mas
o que pegava mesmo era o pecado capital faltante: a preguiça. Era o mais
admirado dos pecados pelos opostos grupos que o reivindicavam totalmente para
si. A briga poderia ser feia pelo domínio da preguiça.
O
profeta flexível da república (PFR) chamou o líder destro da situação e o líder
sinistro da oposição e pediu-lhes uma trégua gentil por míseros 42 minutos e
explanou seu plano:
-
Vamos dividir os pecados capitais para cada grupo. Como temos sete pecados,
distribuiremos três para cada grupo e um será compartilhado, ou seja, será
comum para os dois lados.
O
velho mestre, chamado Salomão, confiava plenamente que haveria consenso em
relação a preguiça e sentiu-se confiante no acordo entre os opostos. Afinal, o
desejado era conquistar algum equilíbrio. Botou em votação:
-
O grupo destro fica com a Ira, a Avareza e a Luxúria, mas terá que compartilhar
a Preguiça com o grupo sinistro.
-
Sou contra quem é a favor. Tá OK? Disse o proeminente líder.
-Vamos
manter a serenidade. O grupo sinistro fica com a Soberba, a Inveja e a Gula,
mas irá compartilhar a Preguiça. Todos de acordo?
A
briga se intensificou pelo domínio da reconfortante preguiça tão desejada por
todos e quase não houve o acordo. Mas o experiente e sábio Salomão resolveu a
pendenga:
-
Vamos criar mais um pecado capital e jogar no palitinho quem fica com a
preguiça. O perdedor fica com o novo pecado.
-
Parece justo, palitinho é melhor que votação eletrônica. Comentou o mesmo cidadão
de antes.
Incrementar
um novo pecado parecia genial, mas os dois lados queriam saber qual seria esse
novo pecado pacificador de ânimos. Docilmente Salomão disse:
-
A ignorância.
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