Mim não é egocêntrico

         - Esse meu ego está me deixando cego. Sentenciou o pacato cidadão vascaíno.      


        Um dia ele sentiu que a coisa estava caminhando para o completo caos e resolveu mudar a forma de relacionar-se consigo. Chega de eu daqui eu dali eu acolá, daqui para frente iria cortar seu exacerbado egocentrismo. Daqui para frente somente iria utilizar o mim para tudo aquilo que sentia, desejasse ou pensasse. Se o mim não conjuga nenhum verbo também não pode conjugar situações egocêntricas. Decidido foi à luta:

- Mim está cansado, mim vai dormir.

A esposa dedicada pensou que finalmente ele havia enlouquecido. Agora essa estória de mim estava beirando a insensatez, mas relevou, pois afinal as quatro décadas pesaram mais que a ignorância do marido.

- Antes de mim dormir, mim vai ao banheiro.

- Por que esse negócio de “mim”? Cadê aquele entusiasta “eu” de antes? Você tá louco?

- Mim se livrou de tudo que mim levava de egocêntrico. Mim agora é outra pessoa. Mim não está louco, mim é um novo ser.

- Vai dormir que é melhor. Quem sabe passa.

Passam os dias, mas não passa a obstinação de eliminar aquele velho linguajar egocêntrico. E não é que o danado do “mim” ajuda a esquecer do “eu”! Pois é, o mim já está errado por natureza quando se conjuga algum verbo e por mais que ele seja bacana em outras situações, ele é mais suave pelo fato de não conferir muita importância ao sujeito. Para ele, o mim era a solução encontrada, pois ninguém dá a mínima para mim:

- Mim vai comprar uma jaca lá no mercadão. Mim faz tempo não come uma jaca. Mim adora jaca.

- Pra mim chega. Esbraveja a mulher.

O mim proferido pela esposa soa como uma música doce em seus ouvidos. Teria ela aderido também ao uso do mim? Não, definitivamente não. Esse mim foi enfático e seu significado um potencial perigo para o futuro daquela relação. Mim deveria ficar preocupado, mas mim navegava em outras instâncias da percepção humana e era outra pessoa, portanto mim estaria sempre tranquilo dali para frente. Combater o bom combate para eliminar o egocentrismo.

- Mim não acredita. Mim só quer suavizar aquele terrível “eu” que maltrata e pressiona o tempo todo. Mim é mais feliz sem o “eu”.

E assim foi. Em casa, no trabalho, na religião e até no futebol o mim substituiria o eu. Quando o chefe perguntava sobre o relatório de fechamento do mês:

- Quando você entregará o relatório desse mês?

- Mim vai entregar hoje à tarde.

- O quê? Mim? Quem é mim?

Com o tempo as pessoas próximas aceitam as idiossincrasias alheias e apenas consideram como fases que serão superadas. Mas nesse caso não se tratava de uma fase e sim de uma escolha, mesmo errado o mim era correto. De tanto mim utilizado acabou despedido. O abalo poderia ser grande, mas não para ele.

- Mim tem que procurar novo emprego.

Os amigos no início achavam engraçado aquele papo de mim daqui mim dali, mas depois de algum tempo começaram a se incomodar:

- Mim é coisa de índio. Você não é índio.

 Melhor ser índio do que um estúpido cidadão preconceituoso. Refletiu suavemente. Mas continuou com a vida social que mantinha. No futebol sempre foi Vascaíno apesar dos tempos atuais poucos favoráveis aos “cruzmaltinos”.

- Não importa, mim é Vaisco!

 Uma singela mudança para eliminar o egocentrismo adquirido ao longo de uma vida leva a uma ruptura com toda a sociedade, ou pelo menos, com o seu entorno.

            - Não importa, mim agora é feliz.

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