Depois de quase 600 (SEISCENTOS!!!) dias de pandemia começamos a perceber o quanto mudou a nossa vida, seja para melhor como para pior. A percepção desse tempo é de uma “pequena eternidade”, com perdão pela incongruente definição (pode até ser que exista uma grande ou uma média eternidade). O bom nisso tudo é que esse tempo foi o suficiente para elevar consideravelmente nossos conhecimentos (ou não). Alguns aprenderam muito, mas outros aprenderam muito mais.
Pode ser que saber somente para si mesmo não seja suficiente.
Foi nesse contexto que conheci “O Homem
que sabia demais”. Eu estava na fila da vacina para a segunda dose que,
aliás, estava atrasada por falta dos insumos. E na falta da mesma vacina da
primeira dose, o governo delicadamente decidiu:
-Se não tem tú, vai tú mesmo. Toma a que tiver na hora.
A fila era considerável e crescia à medida que tempo passava.
Ninguém saia do posto e a fila crescendo. É dose, certo? Vai dar aglomeração,
pensei. Não vai ter dose para todo mundo, exagerei. Mas tudo bem, vamos esperar
que tudo dará certo. E chega mais gente na fila. Foi quando gritou um homem que
estava nas proximidades:
- Daqui a pouco aparecem os ambulantes vendendo balas,
máscaras, smartphones, carregadores, guarda-chuvas e vacinas.
E essa fala foi o bastante para criar uma aura robusta em
todo o ambiente. O tédio transformou-se em uma dinâmica enriquecedora de
conhecimento. E o homem não parou mais de destilar sua sapiência.
- Misturar vacina é igual a misturar “Toddy” e “Nescau”. O
resultado é o mesmo.
Uma senhora desavisada e descuidada ponderou:
- Sabe que você tem razão. Mas eu gosto mais de todinho.
Deu corda para o sabichão. O homem disse que o organismo de
cada um é que determina o próprio destino, que as farmacêuticas detêm o poder
de estabelecer aquilo que será, que induzem as farmácias a vender dipirona como
marcas de grife e assim foi. Chegou até citar sobre o “Balanced Scorecard” das
farmacêuticas. Pensei comigo, daqui a pouco esse sujeito vai quebrar todas as
patentes.
- Vendem a dipirona em frascos menores a partir de amostras
grátis. Absurdo.
Continuei escutando e não entendendo. Por vez, tinha vontade
de ponderar alguma coisa mas me contive. Não poderia dar mais corda para o
sabichão. Poderia levar horas o papo e já estava ficando tarde. E o homem
continuou:
- Uma coisa é verdade e comprovado cientificamente: “quem
bebe cachaça ou algum destilado não pega o vírus”.
Aí me interessou, pois sou um apreciador da “malvada”. Mas, inadvertidamente, um
sujeito perguntou ao sabichão sobre o resultado de tão espetacular pesquisa:
- Quais as razões para esse fato?
- É que o vírus não consegue se desenvolver num organismo
regado pela “Manguaça”.
Explicou com substantiva inflexão técnica e acrescentou:
- Pena que eu não bebo.
Fiquei decepcionado. Alguém com essa sapiência não bebe nada
alcoólico? E tá falando o quê? Mas era tarde demais para frear o falastrão,
pois o sujeito ao lado não ficou quieto e cutucou:
- Mas quem bebe detona o fígado e outros órgãos por tabela.
- Pois é! Mas o vírus não sobrevive no organismo, que está
adaptado ao consumo do “Goró”.
E assim foi. A fila andava vagarosamente e o papo crescia em
maior proporção que a fila. O sabichão teve dois infartos, perdeu um rim, mas
encontrou outro nos Estados Unidos, onde morou e lá todo mundo joga coisas fora, andava de bicicleta por causa de
úlcera nervosa e acreditava na transmigração das almas com base na inovação
tecnológica.
Pumba! Chegou a minha vez de vacinar. Mas deu tempo de ver o
sabichão tomando a vacina, que chorando expressou:
- Essa doeu, ai!
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