Dependência Digital

Vagão do trem lotado e mais gente entrando. Meu último passo para trás esbarrou com o fundo do vagão. Não tinha mais para onde ir. Tudo bem, tudo tranquilo até entrar uma pessoa bem forte com seu celular na mão direita e olhos fixos na telinha. Normal nos dias atuais. Chega, pisa no meu pé, mas não pede desculpas e nem desgruda os olhos do aparelho. O universo parece residir somente naquele artefato digital egoístico.


Sei lá. Cada um habita o seu próprio universo, mas no meu universo fiquei apreensivo com o balanço do trem. O medo era que aquela pessoa volumosa me atingisse e novamente não iria se desculpar. Afinal eu estava colado no fundo do vagão, sem saída e pronto para um esmagamento repentino.

Ainda bem que nada aconteceu. Acho que o celular trouxe equilíbrio para aquela pessoa. Mesmo não desgrudando os olhos do aparelho, ela manteve a postura e não mais pisou no meu pé.

Mas esse “aparelhinho” tem transformado o cotidiano das pessoas. Tem criado zumbis de mobilidade complexa, servos viciados (ou escravos tecnológicos) e dependentes digitais.

No mesmo dia, vi uma moça caminhando na calçada, passos largos, seguros e elegantes, com velocidade média de excelente nível. Ela era muito branca, tão branca que beirava a transparência. O sol daquele dia era intenso e os raios pareciam atravessar aquele corpo de caminhar veloz. E em suas mãos habitava um aparelho celular poderoso, o qual parecia conduzir a moça.

Ela manuseava o aparelho com maior rapidez que seu caminhar veloz. De repente, um raio de sol atravessou seu corpo branco, atingiu a tela do aparelho, que por sua vez, refletiu instantaneamente na janela de um ônibus, assustando o motorista, que freou bruscamente. A branca moça se assustou com a freada, mas não desgrudou os olhos da telinha e nem reduziu seus passos acelerados.

O raio, por sua vez, continuou sua viagem cósmica, sem sustos. E o motorista do ônibus soltou um sonoro palavrão.

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