Conheci Oraci no primeiro ano do Ensino Médio. Ficamos amigos em pouco tempo, visto que pegávamos o mesmo ônibus no caminho para casa, e possuíamos interesses em comum. Como o conheci durante a adolescência, a cronologia de seus “períodos competitivos” é um pouco confusa.
Começarei relatando o que vivenciei durante a escola, e, em outro momento, darei espaço para histórias de seus familiares e conhecidos.
Antes de mergulhar nas peripécias de Oraci, nosso protagonista, é preciso apontar alguns aspectos de sua competitividade. Oraci não é competitivo o tempo todo, muito pelo contrário. Não se gabava de suas notas, participava das aulas de Educação Física com um espírito esportivo invejável e era costumeiramente muito gentil e amigável. Em suma, as atividades que eram comumente colocadas como competitivas, ou que estimulavam alguma disputa, pareciam irrelevantes para Oraci. Nunca foi possível determinar o que acendia sua chama da rivalidade.
Meu primeiro contato com este lado mais primitivo de meu amigo aconteceu no final do primeiro ano letivo, quando Oraci passou a trabalhar em uma rede de fast-food após a escola.
Oraci começou a trabalhar em um fast food de hambúrguer em julho, durante as férias. O restaurante ficava próximo da escola, que, por sua vez, ficava próxima de nossas casas, então nos víamos com certa frequência.
No final de agosto, Oraci com bastante ênfase em sua fala, pediu a mim (e ao grupo de amigos) que fosse ao restaurante no dia seguinte. Sem pensar muito a respeito, compareci e vi meu colega com um sorriso de orelha a orelha atrás do balcão, segurando o que parecia ser uma placa com uma foto sua. Acima do retrato, lia-se “Funcionário do Mês – Agosto”. Durante uma pausa após o almoço, Oraci contou que havia terminado o treinamento em tempo recorde e, apesar da postura impassível da gerência, que aparentemente só abria o bico para reclamar dos erros, fora anunciado como funcionário do mês em tempo também recorde.
Animado, Oraci passou a trabalhar no caixa mais próximo da parede, como se quisesse mostrar sua foto enquanto atendia. Era alegre e cômico ao mesmo tempo, pois se inclinava de um modo estranho para que os clientes pudessem ver o quadro enquanto ele processava o pedido. Além de ser um ótimo profissional, Oraci provou ser um ótimo professor, auxiliando funcionários mais jovens em suas tarefas. Não deu outra, e Oraci foi escolhido novamente como empregado do mês.
Os meses seguintes carecem de reviravolta – ele agora ostentava o título de pentacampeão do restaurante. Em janeiro, sugeriram que ele tirasse férias enquanto suas aulas não voltassem. Relutante, mas vendo que seus amigos apoiavam a ideia, Oraci passa um mês inteiro longe do restaurante. Às vezes dava um jeito de passar em frente ao restaurante e pousava seu olhar no balcão, observando atentamente, de braços cruzados, dedos impacientes, que batucavam seu cotovelo, e pés irrequietos.
Fevereiro chegou, e resolvemos fazer uma visita surpresa ao nosso “amigo do mês”. Para nossa surpresa, não o encontramos no restaurante. Um clima de tensão pairava sobre o local. A gerente, nos reconhecendo prontamente, veio ao nosso encontro.
- Oi. Vocês são amigos do Oraci, certo?
- Isso mesmo. Aliás, cadê ele?
- Saiu furiosamente assim que chegou, sem dizer nada. Achei que estivesse com vocês.
- Pera aí que vou tentar falar com ele.
Sem sucesso, pedimos licença e saímos à procura de Oraci. Nosso conhecimento do bairro não era amplo, mas não frequentávamos tantos lugares diferentes. No entanto, ele não estava em casa, na escola, no parque ou na piscina pública. Resolvemos deixar outra mensagem e pedir auxílio aos nossos pais. Assim que chego em casa, ouço vozes distintas na cozinha: era Oraci, tomando café com minha família. Confuso e furioso, não sabia por onde começar minhas perguntas.
- Mano, que cê tá fazendo aqui? A galera tá louca te procurando faz um tempão!
Minha mãe resolveu intervir. Ela parecia tão confusa quanto eu.
- Relaxa, filho, senta aí, que ele te conta o que aconteceu, não é, Oraci?
- Aham.
O relato só serviu para me confundir ainda mais. Oraci contou-me, de modo revoltado, que havia sido abandonado pelo restaurante, que não tinha mais nenhum desejo de trabalhar ali, e que pediria as contas amanhã.
- Não tô entendo nada, cara, o que te fizeram?
- Eu cheguei lá, todo feliz, e vi a placa. Eu vi a placa, e não era eu, não era eu!
- Placa, que placa?
- A do lado do caixa, do funcionário do mês!
- Mas, Oraci, você estava de férias...
Incrédulo, precisei de alguns minutos para me recompor.
- Seguinte, eu vou lá com você e vamos conversar, tá bem?
Pela primeira vez, ele concordou.
No dia seguinte, decidimos ir durante o intervalo da escola, pois a ansiedade se tornou impossível de conter. Oraci me convenceu de que estava calmo o suficiente e entendia o que precisava ser feito - não quis que eu o acompanhasse.
Após uma boa meia hora, sai Oraci, vitorioso (ou assim pareceu). Haviam chegado a um acordo e ele voltaria a trabalhar, mas sob uma condição. Achei que estava feliz por poder continuar no restaurante, então não quis me contar qual era a exigência feita pelo restaurante.
Na tarde do próximo dia, adentrei o restaurante e lá estava Oraci, ocupando o caixa de sempre, ao lado da parede de sempre. Ele sorriu e acenou, apontando para uma placa que estava ao seu lado. Olhei e vi que a funcionária do mês não havia sido alterada – ou seja, não era Oraci - até que meu olho repousou em uma placa nova, reluzente, com a foto do dito cujo e uma inscrição em caixa alta...
"FUNCIONÁRIO DO SEMESTRE - ORACI"
- Oraci, que é isso, cara??
- Foi a condição que eu pedi.
E isso era só o começo.
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